domingo, 24 de janeiro de 2010

ESPECIAL SÃO PAULO 456 ANOS - Fatos importantes e uma reflexão sobre a história dos transportes por ônibus na cidade

Com o crescimento populacional, os trilhos dos bondes não conseguiram acompanhar a expansão territorial urbana de São Paulo. Entraram então os ônibus, que se consolidaram entre os anos 20 e 40

Quando se fala na cidade de São Paulo, se fala em ônibus. E isso não é papo de busólogo. Os números e a história de como se deu o desenvolvimento urbano da Capital mostram essa realidade. E nada melhor do que na época em que a cidade faz 456 anos, relembrar a fase que esse modal de transporte se consolidou na cidade. Essa fase contempla justamente os anos entre 1940 e 1950.

De acordo com dados oficiais da SPTrans – São Paulo Transportes, empresa responsável pelo gerenciamento dos transportes coletivos municipais de São Paulo, os passageiros do sistema rodaram as catracas dos ônibus nada mais nada menos que 2 bilhões, 627 milhões, 234 mil e 312 vezes. O universo da frota cadastrada da cidade, só de ônibus municipais, descontando os que vêm de outras cidades e os fretados, contempla 14 mil 935 veículos, que prestam serviços em 1346 linhas. Os dados são referentes ao período de janeiro a novembro de 2009 e mostram porque São Paulo é a maior capital da América Latina quando se fala em ônibus.

Mas estes números impressionantes nasceram nos anos 20, quando pequenos empreendedores e desbravadores urbanos começaram a sentir o crescimento da cidade de São Paulo e que ela se tornaria uma metrópole. Eram visionários e desbravadores urbanos. E os ônibus se tornaram o principal meio de transporte coletivo da cidade de São Paulo pela forma muito rápida em que se deu o crescimento do município a partir dos anos 20. Soma-se a este fator a crise de energia elétrica que ocorreu neste período.

Até esta época, o principal meio de transporte público municipal eram os bondes. Eles ligavam bairros já desenvolvidos da cidade (para a época) à região central. A primeira linha de bonde elétrico que se tem registro na cidade de São Paulo é datada de 7 de maio de 1900. Ela foi inaugurada pela Companhia Viação Paulista. Um ano depois, a empresa que fazia a ligação Barra Funda – Largo São Bento fale e o patrimônio e serviços são assumidos pela Light & Power Co. Nesta época, São Paulo contava com aproximadamente 240 mil habitantes.

O surgimento de um perfil industrial e empregatício que São Paulo assumiu também foi responsável pelos aperfeiçoamentos dos transportes na cidade. São Paulo tornava-se populosa porque atraía pessoas em busca de emprego. Inicialmente, as indústrias eram construídas na região atendida pela linha de trem da São Paulo Railway, que ligava Santos a Jundiaí, passando pelo ABC Paulista e Capital de São Paulo. Idealizada por Irineu Evangelista de Sousa, ou simplesmente o Barão de Mauá, e engenheiros ingleses, a linha de trem foi inaugurada em 16 de fevereiro de 1867. Tornou-se o principal meio de escoamento da produção agrícola para Santos e onde se inaugurava uma estação de trem, logo a região ficava mais populosa e as indústrias se interessavam pela facilidade dos transportes.

Assim, a relação indústria e transportes foi de início uma via de mão dupla. Com a São Paulo Railway, a cidade se tornava interessante para a indústria. Com a industria, a cidade se tornava interessante para imigrantes e migrantes e com a população maior a cidade se tornava interessante para outros meios de transporte. Por causa do crescimento populacional e da especulação imobiliária (que tornava caros os terrenos perto de indústrias), os bairros com características urbanas foram se afastando das margens das estações da São Paulo Railway e do centro da cidade, tornando as ligações entre zonas residências e de geração de emprego mais necessárias.

Até os anos 20, os bondes davam conta dessa demanda de passageiros, principalmente trabalhadores. Os bairros se uniam, com limites imaginários, e nas proximidades da região central ofereciam estrutura para a construção de linhas e colocação dos trilhos. Só que a partir desta década, o crescimento da cidade de São Paulo começou a se dar de forma rápida e em muitas regiões desorganizada. Os trilhos dos bondes não conseguiam acompanhar o avanço para as periferias, as regiões mais afastadas do pólo central e dos pólos industriais. Além disso, por causa do relevo, algumas áreas não ofereciam estrutura viária suficiente. Começaram a surgir em maior número os serviços de auto-ônibus, um modal de transporte mais flexível e que, apesar das dificuldades de ruas de terra e estreitas na periferia, conseguiam chegar onde os trilhos não iam. Além disso, a implantação do sistema de bonde requeria um investimento financeiro maior que os ônibus, que enfrentavam o barro com coragem e força. A flexibilidade que o bonde não oferecia.

O serviço de auto ônibus em São Paulo é anterior aos anos 20, mas foi nesta época que ele conseguiu se consolidar. Já em 1910, a indústria de carruagens Irmãos Grassi construiu para a Hospedaria dos Imigrantes uma carroceria de auto-ônibus sobre um chassi francês Dion Bouton, que levava os imigrantes recém chegados ao Brasil das estações de trem até a Hospedaria. Em 1911, é inaugurada a primeira empresa de ônibus registrada na cidade de São Paulo, que se tem conhecimento. Era a Companhia Transportes Auto Paulista. Possuía um veículo de carroceria de madeira, com mecânica Saurer. O pequeno ônibus transportava até 25 passageiros e não tinha itinerário e horários fixos. Também em 1911, há o registro de um serviço de auto-ônibus que pela manhã transportava passageiros que utilizavam a Estação do Brás e na parte da tarde, realizava viagens para a região do Parque Antártica e Avenida Paulista. Nesta época, o município de São Paulo tinha cerca de 2 mil veículos. A maior parte das experiências de transporte por auto-ônibus antes dos anos 20 era tímida: as linhas curtas, os veículos bem primitivos e os serviços duravam pouco tempo.

CRISE ENERGÉTICA: A OPORTUNIDADE PARA OS ÔNIBUS DE SÃO PAULO
Além do crescimento rápido dos bairros, mais rapidamente do que os trilhos do bonde poderiam alcançar, um outro fator foi estímulo para a proliferação do serviço de auto-ônibus na cidade de São Paulo. Os anos de 1923 e 1924 foram marcados por uma grande seca, comprometendo a geração de energia nas usinas hidrelétricas. O serviço de bonde não contava com toda a energia disponível. A solução encontrada foi incentivar empreendedores que possuíam auto-ônibus. Nesta época, a cidade já tinha 700 mil habitantes, ou seja, mais que triplicou em relação aos anos de 1910. A própria empresa que operava os transportes em São Paulo por bonde, a Light & Power Co. teve de aderir aos ônibus para complementar o prejudicado serviço por trilhos. Entre 1926 e 1932, a empresa importou e operou 50 ônibus do modelo e marca Yellow Coach. Por causa da cor cinza esverdeada, os ônibus foram apelidados de “Jacaré” pela população paulistana. Vale lembrar que nesta época, a Ligth propôs à Prefeitura de São Paulo um plano integrado de transportes de diferentes modaos a longo prazo, incluindo uma rede metroviária, mas a proposta foi negada pela Prefeitura. O metrô só seria implantado nos anos 70 em São Paulo. Aproveitando todo este cenário, de crise energética e crescimento urbano além do alcance dos trilhos, os donos de ônibus, que possuíam um ou dois veículos, começaram a ter uma postura empresarial.

Entre os anos 20 e 30, as empresas iam surgindo. Algumas, ganhando espaço com acordos com empresas imobiliárias que loteavam terrenos. Os bairros eram loteados e antes mesmo que viesse um número substancial de moradores, os donos de ônibus eram contratados pelos proprietários dos lotes á venda. A presença dos ônibus era atrativo para novos moradores. Outras, ganharam espaço pelo pura demanda de passageiros em algumas regiões.

São várias as empresas que nasceram entre os anos 20 e 30, mas algumas ganharam destaque. Em 1927, o empresário Luis Gatti funda a Viação Gato Preto, ainda em operação na cidade de São Paulo e uma das mais tradicionais da cidade. Em 1928, mesmo com a linha de trens São Paulo Railway, um serviço de ônibus era inaugurado entre São Paulo e Santos. Veículos da marca Saurer faziam três viagens por dia, entre ida e volta até o Litoral Paulista. Em 1933, a própria São Paulo Railway adere os serviços de ônibus e cria a Companhia Geral de Transportes, que em 1933, também fazia a ligação São Paulo – Santos, com veículos da marca Thornycroft, encarroçados pela Grassi, a primeira indústria nacional de carroceria de ônibus. Tudo isso, bem antes da existência da Rodovia Anchieta, que foi inaugurada somente em 1947. A região metropolitana já dava ares de que seria uma realidade nos anos 30. Por causa da industrialização ao longo da linha da São Paulo Railway, não só SãoPaulo crescia, mas as cidades vizinhas também. As ligações entre a Capital Paulista e os municípios da Grande São Paulo começaram a aparecer. Em 1931, a EAOSA – Empresa Auto ônibus Santo André, unia o centro da cidade de São Paulo, bairros paulistanos e a cidade de Santo André, no ABC Paulista.

Foi também no início dos anos 30 que os trânsito, aliado à necessidade de transportes, começou a ser problema em São Paulo, que já caminhava para se tornar metrópole. O trânsito já era tão problemático na época que fez o prefeito Prestes Mauá a criar o Plano de Avenidas, que remodelou o centro da cidade de São Paulo, foi responsável por várias desapropriações residenciais. A população que deixava o centro para dar espaço ao comercia, avenidas e indústrias ia para os bairros, o que significava mais demanda para os ônibus e a impossibilidade de o bonde atender uma demanda que antes era servida por ele.

De acordo com estimativa da Prefeitura de São Paulo, em 1932, a cidade já possuía mais de 400 ônibus. No dia 8 de julho de 1932, era fundada a Auto Ônibus Jabaquara, por Arthur Brandi e a família Havelange. A empresa ligava o centro de São Paulo ao então recém loteado bairro do Jabaquara. Os ônibus da Auto Viação Jabaquara foram responsáveis, em parte, pelo adensamento populacional da região do Jabaquara. Um pouco distante do centro, os loteadores usaram o ônibus como propaganda para atrair novos moradores. A Auto Viação Jabaquara se tornaria, em 1949, na Viação Cometa, após a aquisição de uma linha que ligava São Paulo a Santos. A Viação Cometa é uma das empresas de ônibus mais tradicionais do País. No ano de 1933, a cidade de São Paulo já contava com seu primeiro milhão de habitantes.

Em 1934, nascia mais uma empresa de grande porte para a época. Era a Empresa Paulista de ônibus Mooca, fundada em 17 de janeiro de 1934, por Caetano Fiorese, Vitor Prugis e João Fernandes. Também em 1934, a Vila Gulherme, na zona Norte de São Paulo ganhava sua primeira linha de ônibus, a jardineira do Senhor Alípio, que ligava o bairro até a Praça do Correio. Anos depois, a linha foi assumida por uma empresa que ganhou grande porte na cidade de São Paulo, a Empresa auto ônibus Parada Inglesa. Em 1935, destacava-se a linha Centro de São Paulo – Bom Retiro.


A NECESSIDADE DE UMA REORGANIZAÇÃO NOS TRANSPORTES PÚBLICOS

As empresas e linhas citadas na matéria são apenas exemplos da expansão dos ônibus em São Paulo, cuja frota que a Prefeitura tinha conhecimento, passara de 400 ônibus em 1932 para 3 mil veículos em 1941, em 90 linhas regulares. A frota de bondes mantinha-se em 500 veículos. As concessões e permissões eram dadas pelo poder público. Mas havia muitos clandestinos, os serviços de transportes e o trânsito estavam entrando em descontrole por parte do poder público. Empresas diferentes se degladiavam pelas linhas mais rentáveis, enquanto em algumas regiões, mas afastadas e menos populosas, sofriam carência de transportes. Há relatos de até ameaças entre donos de ônibus que queriam explorar uma determinada região.

Mesmo sendo um transporte por asfalto, era necessário colocar os ônibus nos trilhos. Havia ainda mais um agravante. Frente a concorrência dos ônibus, a Light mostra-se desinteressada a explorar os transportes na cidade de São Paulo. O bonde não trazia mais o mesmo lucro. Além disso, o sistema era caro para se implantar. Investia-se tempo e dinheiro numa linha enquanto que da noite para o dia, poderia aparecer um dono de ônibus e explorar o mesmo trajeto.

A Light queria deixar as operações de transportes em 1941, término de seu contrato inicial, mas por determinação do Governo Federal, devido a escassez de petróleo, gerada pela Segunda Guerra Mundial, é obrigada a prestar serviços até 1946. Por causa da desorganização dos serviços de transportes públicos em São Paulo por ônibus, do abandono dos bondes, do trânsito caótico e a da necessidade de distribuir melhor a oferta de transportes, o prefeito Prestes Maia cria a CETS - Comissão de Estudos de Transporte Coletivo do Município de São Paulo.

O primeiro Raio X dos Transportes Coletivos feito pela Comissão foi em 1943. Nele, além de apontar deficiências e traçar um panorama do desorganizado serviço de ônibus, o poder público dá o parecer de que para a ocasião, com o fim das operações da Light, uma das saídas mais práticas seria o monopólio governamental do Sistema de Transportes Coletivos. O objetivo era, além de o poder público municipal assumir os bondes, racionalizar as linhas dos ônibus, evitando trajetos sobrepostos em detrimento de bairros não atendidos. A criação de uma empresa de transportes coletivos municipal já dava ares de acontecer. E foi o que ocorreu anos mais tarde.

O ano foi 1946, quando se deu a primeira medida mais drástica de tentativa de organização dos transportes coletivos por ônibus em São Paulo. O então prefeito Abrahão Ribeiro assina o Decreto Lei 365, datado de 10 de outubro daquele ano, e constitui uma empresa de transportes coletivos dirigida pelo poder público. Surge então a CMTC, Companhia Municipal de Transportes Coletivos. No ano seguinte, em 1947, determina que o patrimônio da Light, bondes, auto ônibus, rede elétrica aérea, trilhos e equipamentos passe para a CMTC, agora também responsável pela operação dos bondes.

Quanto aos ônibus, a medida foi radical. Todas as linhas de ônibus de bairros próximos ao centro e da região central da Capital Paulista passariam a ser exploradas pela CMTC. Os empresários só tinham autorização de operar fora do perímetro urbano, de acordo com o decreto, em linhas bairro a bairro. Assim, pensava-se em terminar a briga entre bonde e ônibus, permitindo que um modal complementasse o outro e não disputasse como vinha ocorrendo. Várias empresas de ônibus foram encampadas. Diversos donos de ônibus faliram, mudaram de ramo ou então de atuação nos transportes coletivos. Exemplo claro disso, é a Auto Viação Jabaquara, citada por nós como exemplo de empresa que se consolidou entre os anos 20 e 30. Fundada em 1932, pelas famílias, Mascioli, Brandi e Havelange, a empresa, nesta época, perdeu a concessão do trajeto entre o bairro do Jabaquara e o centro da cidade.

Os controladores da empresa não desistiram de transportar pessoas. Só mudaram do serviço urbano para o rodoviário. Ainda em 1947, compraram uma empresa que já existia desde 1943, a Empresa Auto Viação São Paulo – Santos Ltda. Como havia um cometa na pintura da empresa, em 7 de maio de 1948, Tito Mascioli, os Brandi e os Havelange mudam o nome da empresa para Viação Cometa, que anos mais tarde incorporou diversas outras empresas e começou a fazer ligações não só mais para Santos, mas para o interior do Estado de São Paulo e outros estados do Sudeste. A mudança do sistema de transportes nos anos 40 , não só foi um baque para donos de ônibus, que muitas vezes queriam prestar serviços com empresas diferentes em trajetos praticamente idênticos.

O poder público municipal fez o que chamou de atualização nos valores tarifários. As passagens de ônibus e bondes subiram cem por cento. A alta das tarifas, bem maior do que os aumentos salariais revoltaram a população. O dia primeiro de agosto de 1947, foi marcado por um quebra-quebra de grandes proporções que destruiu dezenas de ônibus e bondes e deixou várias pessoas feridas no confronto com a polícia. Há duas versões para o quebra-quebra. Alguns historiadores dizem que ele ocorreu por vontade popular, pela simples revolta em relação aos aumentos. Outros se arriscam a dizer que o evento ocorreu com o incentivo indireto de empresários que haviam perdido as linhas com o monopólio municipal sobre os serviços no centro da cidade e bairros mais próximos da região central. Quem defende essa tese, se baseia no fato de que a maior parte dos veículos danificados no quebra-quebra correspondia a frota da CMTC.

A reorganização do sistema de transportes em São Paulo, com a criação de uma das maiores empresas de ônibus municipais da América Latina, deu CMTC poder econômico e tecnológico. Tanto é que, a partir de 1949, foi a CMTC que inaugurou o primeiro sistema de trolebus brasileiro. Uma tecnologia jamais vista no Brasil e que abriu as portas para ouitras cidades interessadas no sistema de transporte com tecnologia limpa e com maior rapidez de operação. A CMTC adquiria até os anos 50 tanto poder, que ela, além de ser uma das maiores compradores nacionais de ônibus, importava veículos e produzia, além de ônibus convencionais, trolebus.

Uma das inovações compradas pela CMTC eram os ônibus GM Coach, totalmente diferentes do que até então eram os ônibus urbanos, em sua maioria carrocerias para passageiros montadas sobre chassis de caminhão. Os veículos tinham direção hidráulica, sistema de suspensão a ar, isolamento térmico e acústico, motor traseiro, freios a ar comprimido e poderiam levar com mais conforto, 70 passageiros, sendo que 40 sentados. Eles começaram a operar no segundo semestre de 1947. Eram inicialmente 10 veículos que chamavam a atenção pelo design norte-americano e pelo conforto, que serviam a linha Centro – Jardim América.

Muitas linhas, para designar o centro tinham no itinerário do ônibus a expressão Cidade, como se os bairros não pertencessem a cidade de São Paulo. Mas era costume na época, os moradores dos bairros dizerem que iriam para a “Cidade” se referindo ao centro e o ônibus se adaptou a isso na época. Era uma forma de, no itinerário, facilitar a vida do passageiro, falando a sua língua. Para se ter uma idéia do poder que a CMTC ganhava nos anos 50, dados da Prefeitura de São Paulo mostram que em 1954, a Companhia Municipal operava 90 por cento dos transportes coletivos da cidade de São Paulo entre bondes, trolebus e ônibus, que eram a imensa maioria.


INAUGURAÇÃO DE LINHAS

Nos anos 50, a CMTC, totalmente estruturada e forte chama a atenção pelo volume de compra de ônibus, para atender a demanda crescente de passageiros. Vale lembrar que foi nos anos 50 o grande início do crescimento industrial brasileiro. A cidade de São Paulo e os municípios vizinhos, já pela estrutura de vias e transportes, que facilitavam o escoamento da produção e os deslocamentos dos trabalhadores, atraíam mais investimentos industriais, E mais pessoas de todo o País vinham para São Paulo. Nesta época, se deu o surgimento de outros novos bairros, muitos de periferia, pois havia uma mão de obra com pouca qualificação, com menor renda, mas que também era atraída pela indústria e pela construção civil. Essa massa de trabalhadores ocupa regiões mais afastadas do centro de São Paulo. É uma nova onda de crescimento acelerado de São Paulo vivenciava, só que numa intensidade bem maior que nos anos 20/30, com já vimos. Novamente os trilhos dos trens e dos bondes não conseguiram acompanhar este ritmo e foi a flexibilidade dos ônibus que mais uma vez tentou suprir esta demanda, às vezes de maneira satisfatória, outras vezes nem tanto. Mas com mais passageiros, duas coisas eram necessárias: mais ônibus e mais linhas.

Os lotes de compra da CMTC eram de deixar qualquer fabricante satisfeitos, Para se ter uma idéia, de uma só vez, a Companhia Municipal de Transportes Coletivos comprou em 1950 dos Estados Unidos, 200 ônibus Twin Coach. As linhas tinham de ser mais planejadas. Não bastava ligar um bairro a outro. Era necessário estudar a cidade. As demandas de passageiros, o trânsito e as áreas de concentração residencial e industrial e traçar a cidade. No dia 27 de janeiro de 1959 é criada a primeira linha Diametral de São Paulo, ligando Belém a Pinheiros. A experiência de traçar itinerários diametrais deu certo. O trajeto correspondia à demanda exigia e com uma só linha se substituiria outras pequenas ligações que, em alguns pontos e horários eram ociosas já em outros, insuficientes. No dia 20 de fevereiro de 1959, foram criadas outras linhas deste tipo, como a do Paraíso para Casa Verde. Antes porém outras linhas importantes, sem o conceito diametral foram inauguradas em São Paulo pela CMTC. Uma das mais importantes foi a Penha / Lapa, que começou as operações em 1953. No ano de 1978 deixou de operar, mas por exigência dos passageiros retorna em 1979 e em 1983, segundo levantamento da CMTC, se tornou a linha mais movimentada da cidade. No dia 4 de setembro de 1957 nascia outra linha de grande importância, a Pedreira – Anhangabaú.

OS EMPRESÁRIOS QUEREM VOLTAR AO SISTEMA
Se por um lado representava custos para o poder público, a nova formulação dos transportes coletivos despertou interesse dos empresários de ônibus, que a partir dos anos 60, motivados pelas facilidades geradas pelo crescimento da indústria automobilística, começaram a se organizar para voltarem ao sistema de linhas centrais, operados em sua maioria pela CMTC após sua criação em 1946. As empresas começaram a pressionar o poder público para criarem novas linhas ou encamparem os rentáveis trajetos da CMTC. Elas se associaram em sindicatos, os empresários usavam o poder econômico e no meio dos anos 60, houve uma inversão de papéis. Se na década de 50, a CMTC foi responsável por 90 por cento dos transportes públicos, nos anos de 1960, ela só correspondia a 20 por cento, segundo análises das relações de linhas e empresas da época. Os outros 80 por cento já estavam nas mãos de empresários particulares. A cidade foi loteada no quesito transporte. Diferentemente dos anos 20 e 30, em que os donos de ônibus de ônibus disputavam mesmos trajetos, nos anos 60, eles se dividiram em áreas. As melhores ficavam com os maiores. Assim, surgiam empresas poderosas principalmente nas zonas Sul, Leste e Norte da Capital Paulista.

Com o crescimento das empresas de ônibus e problemas financeiros da CMTC, os bondes começavam a ficar em segundo plano. Até que o sistema de bondes foi desativado em 1968. No dia 28 de março, terminava a linha 101, que ia do centro da cidade para Santo Amaro. Nos anos 70, as empresas particulares de ônibus ganhavam mais participação ainda. A CMTC, que nos anos 50 tinha 90 por cento dos transportes, nos anos 60 caiu para 20 por cento, só tinha em 1975, 14 por cento das linhas de ônibus. Nesta década, também já estava criada a Secretaria Municipal de Transportes, que foi implementada em 1968, o que revela a importância que o setor ganhava na cidade e na administração pública. São Paulo já não mais gerenciava linhas de jardineiras. O sistema era complexo e foi necessária a formação de uma pasta e de uma equipe para acompanhar a fase da evolução dos transportes em São Paulo, registrada nos anos 70. Neste época também, a CMTC, mesmo sendo empresa pública renovou o contrato com a Prefeitura de São Paulo e os empresários ganham mais um trunfo. A cidade foi dividida em 23 áreas de operação e a CMTC poderia contratar os serviços das empresas de ônibus. Era o que o empresariado do setor de transportes queria. As linhas eram planejadas pela CMTC, seus custos de implementação eram bancados pela empresa de transportes públicos, e os empresários apenas colocavam suas frotas e trabalhadores para explorarem as linhas, recebendo por isso.

A CMTC continuava sendo operadora, mas assumia um papel importante de gerenciadora do sistema de transportes públicos nos anos 70. O trânsito e os transportes assumiam mais destaque na cidade de São Paulo, com seus problemas, como congestionamentos e gerenciamento de linhas de ônibus, e soluções, como abertura ou ampliação de vias importantes e com os ônibus atendendo uma população cada vez maior. Além da criação da Secretaria Municipal de Transportes, em 1968, é a vez de se pensar num órgão para gerenciar e controlar os problemas do trânsito,, já intenso em São Paulo. Em 1976 foi fundada a CET – Companhia de Engenharia de Tráfego. O poder público, pela experiência da desordem da expansão das linhas de ônibus entre 1930 e 1940, viu que, mesmo com o caráter capitalista do sistema de ônibus, com empresas privadas vendendo comercialmente um serviço público de deslocamento, o governo municipal tinha de ter órgãos para controlar um sistema, que não pode ser regido apenas pelo mercado.

No final dos anos 70, a CMTC assumia boa parte das inovações tecnológicas dos transportes por ônibus em São Paulo. Testou os ônibus Padron, com padronização de dimensões estipulada por órgãos técnicos federais e começou a implantar o Sistran, que foi um programa, elaborado pelo prefeito Olavo Setúbal, que comandou o executivo municipal entre os anos de 1975 a 1979. O objetivo era modernizar o sistema de trolebus na cidade de São Paulo, que depois de algumas crises financeiras da CMTC e desinteresse de alguns governantes,apresentava sinais de deteriorização. O Plano era muito bom. Previa renovação de rede aérea, ampliação da malha de trolebus, criação de faixas exclusivas para os trolebus e renovação e reforma da frota, com a aplicação de novos conceitos nos trolebus, como equipamentos modernos que deixavam as viagens de trolebus mais acessíveis pata portadores de necessidades especiais e mais confortáveis, com suspensões mais modernas e sistemas de direção que traziam mais comodidade para motoristas e usuários.

Olavo Setúbal era um entusiasta dos trolebus, ainda mais frente aos altos custos do petróleo a partir dos anos 70. Sua intenção era de, num primeiro momento, aumentar a rede de trolebus em São Paulo de 115 quilômetros para 280 quilômetros, colocando no sistema 1280 ônibus elétricos. Mas o Plano acabou fracassando por descontinuidade administrativa. Apenas foram feitos pequenos reparos no sistema já implantado e alguns veículos novos foram colocados em operação. O Sistran, que poderia ser uma ótima alavancada para que São Paulo tivesse uma rede de ônibus de tecnologia limpa, como ocorre na Europa e América do Norte, acabou sendo abandonado.

Os anos 80 foram marcados na história dos transportes da cidade de São Paulo por altos e baixos. A época era de inflação. As tarifas subiam mais que os salários, mas não o suficiente para cobrir os custos do sistema. Muitas empresas faliram e outras, com a queda da qualidade de serviço, sem, por exemplo, poderem renovar suas frotas, foram alvos de intervenções do poder público. Por conta disso, nesta época, a participação da CMTC nas operações aumentava. Mas isso custaria muito à Companhia Municipal, que por vezes, assumia empresas e linhas deficitárias e mal administradas, acumulando prejuízos. Mas os anos 80 também foram marcados por inovações tecnológicas, como os testes de ônibus a Gás Natural, a colocação de veículos monoblocos mais modernos e confortáveis e a criação de corredores e faixas exclusivas com maior área de atendimento.

A CMTC, com base nos problemas entre a relação já conturbada entre carros e ônibus, que dividiam o mesmo espaço, elabora o PAI – Programa de Ação Imediata da Rede Metropolitana de Trolebus. Era uma tentativa de racionalizar e otimizar o sistema e reativar alguns dos pontos dos Sistran, que não foram colocados em prática pela descontinuidade administrativa. Entre os principais pontos do PAI, para aumentar a velocidade média dos ônibus, que vivam já prejudicados pelos congestionamentos, estava a construção de corredores exclusivos e faixas prioritárias. Os primeiros corredores exclusivos para serem construídos, com uma nova concepção de atendimento ao usuário, inclusive pensando na acessibilidade para pessoas com mobilidade reduzida, fazendo plataformas na altura dos degraus dos ônibus, foram as ligações : Santo Amaro - 9 de Julho, Santo Amaro - Brigadeiro Luis Antonio, Santo Amaro, - Ibirapuera , Rio Branco - Deputado Emílio Carlos Também estavam incluídos no projeto PAI, terminais de interligação de linhas ao longo destes corredores.

Entre 1983 e 1984, os estudos se concentraram para a construção dos corredores Santo Amaro – 9 de julho e Rio Branco e Deputado Emílio Carlos. O principal objetivo dos trabalhos era criar condições viárias para a concretização dos corredores. Ver o melhor tipo de asfalto ou concreto empregados e o traçado dos corredores, bem como os pontos e a forma de acesso aos veículos foram as principais ações estudadas. No ano de 1985, foram iniciadas os obras do corredor Santo Amaro – Nove de Julho. O corredor Paes de barros também estava sendo elaborado. Mesmo ano que surgiu outro plano audacioso para melhorar o Sistema de Transportes Coletivos. O PMTC – Plano Municipal de Transportes Coletivos, que além de deixar o sistema melhor e mais racional, tinha como objetivo ver os transportes da cidade de São Paulo como um todo, com o ônibus complementando os trens e o metrô. O PMTC reuniu pontos levantados e estudados pelo Sistran (o Plano de Olavo Setúbal que tentou revitalizar os trólebus em São Paulo) e o PAI, o plano que visava dar mais mobilidade e agilidade aos ônibus, por intermédio, principalmente da construção de corredores.

O Brasil já tinha experiência positiva desde 1974 sobre corredores de ônibus, com o exemplo do Sistema de Tráfego Segregado para Coletivos em Curitiba, que ainda hoje, é base para implantações se sistemas no mundo todo. É bem verdade que os corredores de ônibus de São Paulo estão bem aquém do sistema de Curitiba, que conta com pontos de ultrapassagens para evitar congestionamentos de ônibus, estações de transferência, pontos de embarque que deixam o piso do salão dos ônibus nível da calçada e cobrança antes da entrada nos veículos, aumentando a velocidade e conforto de embarques e desembarques, além de estações cobertas e que realmente protegem o usuário da chuva e do sol, as chamadas estações tubo. O PMTC apresentou a meta de construção de 28 corredores e 23 terminais de transferência. Uma política tarifária e reorganização da distribuição das linha também fizeram partes do PMTC, que levava em conta pontos dos Plano Diretor do Município de São Paulo e Plano Metropolitano de Transporte – PMT. Infelizmente, a exemplo do Sistran, do PAI, o PMTC não teve todas as suas metas cumpridas.

Nesta época, também uma necessidade para a viabilização dos transportes em São Paulo veio à tona. A cidade e a região Metropolitana tinham crescido de tal maneira,m tanto em população como em área urbana, que só o ônibus. O trolebus, os ônibus e os trens isoladamente não dariam mais conta das necessidades dos passageiros. O termo “integração de modais” acaba tomando a ordem das discussões sobre as melhorias dos transportes na cidade. E as experiências começaram nesta década. Em 1980, foi implantado o sistema de transferência ônibus – trolebus com a construção dos terminais de Vila Prudente e Penha. Em 1983, iniciou-se a integração ônibus-trem. A primeira linha a integrar-se com o trem foi a Pinheiros – Largo São Francisco, da CMTC, com as composições da Fepasa – Ferrovias Paulistas S.A. Ainda sobre as tecnologias de combustível limpo, vale destacar a operação experimental de ônibus a gás metano, ap partir de 1984, na linha da CMTC, Ceasa-Lapa.

Apesar de todas as inovações e projetos contemplados nos anos 80, ainda na década de 1990, os transportes estavam muito longe do ideal. Linhas deficitárias, problemas de relação entre empresas e poder público, poucos corredores, lotação, empresas com frota s de ônibus velhos, que deram margem ao transporte coletivo, exigiam intervenções drásticas. E foi o que aconteceu, numa tentativa de melhorar o sistema que crescia fora do controle novamente, com a “municipalização” dos transportes coletivos em São Paulo, através da Lei 11.037. A partir de 25 de julho de 1991, as empresas começaram a receber por custo operacional e não mais pelo dinheiro obtido nas catracas. A medida, entre outros objetivos, era para equilibrar a oferta de serviços e distribuí-la de maneira mais igualitária entre a cidade. Isto porque, enquanto havia linhas de alta lucratividade, que recebiam investimentos da empresa, outras regiões eram prejudicadas por terem linhas mais deficitárias, não só em relação a demanda de passageiros menor, mas às dificuldades operacionais que gerariam custos. Era época da gestão Luiza Erundina, então prefeita pelo PT. As empresas de ônibus eram contratadas pela prefeitura e não mais donas das linhas. Elas tinham de prestar serviços em toda a cidade de São Paulo, inclusive nas menos lucrativas ou com operações mais caras. Todo o dinheiro da catraca era repassado para a Prefeitura, que, calculava a tarifa e remunerava as empresas de acordo com seus custos.

Nas regiões mais afastadas do centro e dos bairros mais populoso, ou em áreas cujo acesso era mais difícil e a distância maior, a qualidade do serviço melhorou. O problema do sistema é que o custo operacional era maior do que a Prefeitura arrecadava nas catracas. Além disso, em linhas de boa demanda, os empresários alegavam a necessidade de colocar mais ônibus. Alguns coletivos, principalmente no período entre os horários de pico, rodavam com poucos passageiros. Algumas viagens eram desnecessárias, mas aumentavam a conta do custo operacional e foi uma oportunidade para os donos das empresas de ônibus ganharem um pouco mais com a municipalização.

Na mesma época, foram municipalizadas as formas de remuneração das empresas nas cidades de Santo André, com a criação da EPT – Empresa Pública de Transportes, em São Bernardo do Campo, com a ETCSBC- Empresa de Transportes Coletivos de São Bernardo do Campo, e Diadema, com a ETCD – Empresa de Transportes Coletivos de Diadema, que a exemplo da CMTC, além de serem gestoras, eram no período operadoras de várias linhas, inclusive de empresas que sofreram intervenções municipais, como o caso da Viação Alpina, em Santo André.

A CMTC ao longo de sua história, havia assumido vários riscos e sido pioneira em diversas iniciativas na cidade de São Paulo. Desde ter herdado o sistema de bondes abandonado pela Light & Power, nos anos 40, passando por readequar o serviço de ônibus na mesma década, que crescia de forma desordenada, sendo responsável pelo monopólio das linhas municipais de São Paulo, a investir em novas tecnologias, contando com importação de ônibus muito mais modernos que os nacionais, a implementação dos trolebus, os testes para o uso de combustíveis limpos, e até mesmo assumindo todas as linhas novamente nos anos 90 e remunerando as empresas, sempre os custos dos transportes por ônibus na cidade eram pagos pela CMTC. Além disso, erros administrativos e abusos da máquina pública também foram registrados na Companhia Municipal. Há historiadores e antigos funcionários da empresa que dizem que, se algum político precisasse empregar alguém que o ajudou na campanha, a CMTC era a primeira a ser procurada. Todo esse conjunto fez com que as finanças da empresa estivessem deterioradas, assim como parte de seus serviços e frotas, apesar do esforço de vários funcionários de diferentes setores que queriam manter o padrão da CMTC de seu auge, entre os anos 50 e 80.

Vendo que seria esforço demais e arriscado tentar recuperar a empresa pública, medida que além de sanear as finanças, tinha de contemplar uma renovação de frota, sistema e quadro operacional, em 1993, a Prefeitura de São Paulo, na gestão de Paulo Maluf, decide privatizar a Companhia Municipal de Transportes Coletivos. Enxugar a máquina pública da CMTC e renovar sua frota e quadro de funcionários, argumentou o prefeito na época, exigiria alto investimento e não se tinha certeza que tal investimento traria redução de custos. Acabava a CMTC como operadora dos transportes de São Paulo. Empresas particulares e consórcios começavam a operar no lugar dos 2 700 ônibus que a CMTC tinha em 1993. Muitos ônibus eram da própria CMTC e foram assumidos pelas empresas e outros eram novos, deixando parte da frota da CMTC em garagens e pátios, alguns, inclusive, podem ser vistos ainda hoje apodrecendo, quando poderiam ser leiloados para empresários de outras cidades na época enquanto ainda tinham condições de prestar serviços.

Para se ter uma idéia do que foi tornada a máquina pública da CMTC, no tocante a cabide de empregos, quando a Companhia foi privatizada, ela tinha 27 mil funcionários. Com a entrada dos empresários, o sistema de gerenciamento caiu para mil e duzentos empregados. Isso não significou, no entanto, que empresa pública de transportes é algo que não dá certo. A Carris de Porto Alegre, empresa municipal mais antiga em operação desde o século XIX, ainda presta serviços sem problemas. Se não fosse a CMTC, mesmo com os problemas ainda existentes no setor de transportes, a cidade estaria bem aquém do atual patamar. Isso porque, como empresa pública, a CMTC fez investimentos no sistema que as empresas particulares não queriam, não teriam condições e nem teriam obrigação de fazer. Estudiosos dos transportes públicos em São Paulo são unânimes em dizer que, apesar de terem custado muito à Companhia Municipal, não foram os investimentos e pioneirismos que sucatearam a CMTC, mas a forma pela qual ela foi administrada e abusada por diversas figuras públicas ao longo de sua história.

No ano de 1994, 47 empresas de ônibus operavam na cidade de São Paulo, após a CMTC deixar de circular com os próprios ônibus. Em 8 de março de 1995, a CMTC, já apenas gerenciadora é transformada em São Paulo Transportes, SPTrans, com novo enxugamento do quadro de pessoal. Os anos 90, no entanto, não foram marcados apenas pela extinção da CMTC, houve também alguns avanços. Um dos exemplos foi em fevereiro de 1991, quando entrou em operação o Corredor Vila Nova Cachoeirinha, colocando em práticas estudos mais antigos da Secretaria dos Transportes e da CMTC, como a viabilização de corredores em canteiros centrais e embarques e desembarques pelos dois lados do ônibus, que passava a contar com portas na esquerda. Isso dava agilidade na entrada e saída do ônibus e maior flexibilidade ao corredor, que ficava segregado do tráfego e poderia mudar de traçado de acordo com a estrutura viária, sem a necessidade de grandes desapropriações. Se o lado direito da via apresentasse dificuldades para a instalação do corredor, tudo bem, os ônibus operaram com o lado esquerdo. Em junho de 1991, é iniciada a operação com ônibus a Gás Natural e, no mesmo mês, para conter a evasão de receitas, os embarques começam a ser feitos pela porta dianteira do ônibus e desembarque pela traseira.

A primeira linha a contar com a novidade foi a 805 A – Circular Avenidas. No dia 11 de setembro de 1991, é inaugurada a primeira linha de micro-ônibus de São Paulo. O serviço era diferenciado, os passageiros não poderiam viajar em pé, a tarifa era mais alta, 15 cruzeiros na época, e os micros que faziam o itinerário circular, pela região central de São Paulo, eram movidos a álcool. Em 1998, dá-se o início a cobrança automática de tarifas, com validadores eletrônicos dentro dos ônibus. No mesmo ano, também é iniciado o Projeto VLP _ Veículos Leves Sobre Pneus_ , o Fura Fila, que se tornou promessa de campanha é até hoje não teve todo seu traçado concluído.

A facilidade do pagamento de passagens e a necessidade de integração foram uma das tônicas dos anos 2000. Os estudos do Bilhete Único, que permite até 4 viagens de ônibus pelo preço de uma passagem num período de 3 horas, tendo integração com preço um pouco maior com outros modais como o Metrô e Trens da CPTM, começaram em 2001, com os testes do Bilhete Único do Idoso. A implementação do Bilhete Único se deu em 2004. A ampliação e construção de novos corredores de ônibus também marcaram os anos 2000. Ainda em 2004, houve a construção de quatro corredores de ônibus com faixas exclusivas à esquerda: Jardim Ângela - Guarapiranga - Santo Amaro; Capelinha - Ibirapuera - Santa Cruz; Parelheiros - Rio Bonito - Santo Amaro; e Campo Limpo - Rebouças - Centro e de cinco novos terminais (Grajaú, Guarapiranga, Jardim Britânia, Parelheiros e Varginha.

AS TENDÊNCIAS
Se fossemos citar todos os fatos que marcaram a história dos transportes coletivos na cidade de São Paulo, uma série de reportagens não seria suficiente. Além disso, muitos fatos importantes aconteceram e não foram registrados. E fatos importantes não são apenas os de grande magnitude, mas às vezes pequenas alterações de itinerários, uma postura educada e cordial de motoristas e cobradores, um cuidado especial em relação a limpeza dos veículos para que os passageiros se sintam num ambiente melhor. Coisas simples, mas que deixam menos pesada a rotina de quem utiliza os transportes na cidade de São Paulo. Aliás, por causa dos trajetos e trânsito complicado, que deixa o ônibus preso nos congestionamentos entre os carros particulares, muita gente passa o mesmo tempo dentro da condução que no trabalho. Apesar de ter melhorado em vários aspectos, numa análise fria e imparcial, o sistema de transportes por ônibus em São Paulo ainda deixa muito a desejar. De acordo com a mais recente pesquisa Origem e destino feita pelo Metrô de São Paulo, os principais problemas apontados pelos passageiros de ônibus são lotação, tempo das viagens, espera nos pontos, falta de mais pontos de integração e preço nas tarifas.

E um problema puxa o outro. Por isso, os problemas não são únicos e as soluções também não são únicas. Um ônibus preso num congestionamento demora para passar, mas gente se acumula nos pontos, a viagem é mais lenta e quando o ônibus vem lota rápido. A sensação de a tarifa ser cara (e realmente é elevada) aumenta pela deficiência do serviço. Se o serviço fosse melhor, muitos passageiros pelo menos se conformariam com o valor das tarifas. E o exemplo vem de outros países, que investem na prioridade aos transportes públicos e isso deve ser a tendência que São Paulo deve seguir se quiser que daqui a 20 ou 40 anos, sua história do setor seja lembrada como evolução e não como um apanhado de problemas e retrocessos.

O Sistema BRT – Bus Rapid Transit – é aplicado em diversos países da Europa, América do Norte, Ásia e América do Sul. A necessidade de se investir em verdadeiros corredores segregados de ônibus, no Brasil temos o exemplo de Curitiba e do ABC Paulista pela Metra e EMTU, já foi vista há muito tempo por outros países, como a Colômbia, que em Bogotá, melhorou sensivelmente a qualidade de vida dos cidadãos com o Transmilênio, inspirado no modelo de Curitiba. Um BRT de verdade não é um simples canteiro por onde passam ônibus ou um uma faixa pintada na rua, que perto dos pontos, nos horários de pico, cria congestionamentos de ônibus. Ele possui uma diferenciação física na via, estações de embarque, preferencialmente na altura do piso dos ônibus, pagamento anterior à entrada no veículo e pontos de ultrapassagens para evitar filas imensas de ônibus, como ocorre, por exemplo na Avenida Rebouças e Rua da Consolação.

A criação de um BRT, de um corredor segregado de ônibus, chega a ser 10 vezes mais barata que a construção de uma linha de Metrô, além de a implementação ser mais rápida e alterar menos o cenário urbano. Necessita de menos desapropriações e as obras são mais simples. Outra tendência que se aplica no mundo é a integração de modais, existente em São Paulo, mas ainda muito tímida. Ônibus deve complementar trem e metrô e vice e versa. Alguns países vão muito mais além. Como é o caso do BusWay, na França. Lá, o corredor, com ônibus extremamente modernos, liga a região central de Nantes à zona Sul da área metropolitana, na localidade de Verton. O corredor consegue integrar ônibus e carro. Os passageiros vão com seus carros fora da tumultuada região central, deixam em estacionamentos próprios para os usuários e na região central, onde há trânsito, eles pegam o BusWay e continuam a viagem de ônibus. Quatro estações do sistema possuem o esquema "Park-and-ride", onde o usuário pode deixar o seu automóvel e seguir a sua viagem de ônibus.

Isso poderia ser uma opção para São Paulo, se houvesse um sistema de ônibus queatrísse à classe média. O usuário poderia sair de um determinado bairro mais distante de carro, deixá-lo em local seguro com preço acessível e seguir o trajeto de maneira mais rápida para área central ou bairros de negócios. Em Nantes, o Park and ride auxiliou bastante na diminuição dos congestionamentos principalmente em horários de pico.

As prefeituras que investiram no BRT priorizaram os recursos para os transportes públicos atraírem às diversas camadas sociais da população. O Transmilênio da Colômbia, por exemplo, é usado tanto pelo executivo da empresa, como pelo operário. Facilidades de pagamento de passagens, eliminado o dinheiro no uso dentro dos ônibus também são tendências. Em São Paulo, há o Bilhete Único, um grande avanço. Mas ainda o passageiro tem de enfrentar filas nos postos de recarga ou em estabelecimentos comerciais. Em vários países, por exemplo, os cartões são recarregados pela Internet, por débito bancário e até mesmo com o uso do celular.

O uso de veículos com tecnologia limpa também é outra tendência para tornar as cidades mais agradáveis de se viver, com ar menos poluído e ônibus que emitam menos barulho. Na Europa o uso do Diesel limpo, o Biodiesel, já está numa fase bem mais avançada, do etanol, com os ônibus movidos a álcool produzido no Brasil, coletivos com células de hidrogênio e, claro os velhos trolebus, de rede aérea, que São Paulo começou a operar em 1949, são realidades vistas facilmente nas ruas. Só que estes trolebus são mais modernos e rodam em vias segregadas.

Enfim, o ônibus pode ser alvo de críticas por muitos especialistas. O Metrô e o Trem podem se apresentar como melhor forma de transportes de massa, mas a verdade é que São Paulo vai de ônibus. E foi este tipo de transporte o único capaz de acompanhar o rápido desenvolvimento de São Paulo e contribuir para ele. Sendo assim, São Paulo deve muito aos ônibus e os ônibus a São Paulo. E a cidade merece o melhor em relação aos transportes. E exemplos que mostram que o ônibus tem futuro, mas numa concepção moderna, que prioriza o coletivo, não faltam pelo mundo. Parabéns, São Paulo.

Adamo Bazani, busólogo, repórter da CBN, natural de Santo André, mas que tem São Paulo no coração, assim como todo o brasileiro deveria ter.